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Infração de trânsito cometida no veículo da autoescola

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece várias condutas que precisam ser seguidas pelos condutores, de modo que a desobediência, via de regra, configura uma infração de trânsito. Além disso, existe uma normatização específica acerca da responsabilização das condutas no trânsito, que depende da irregularidade praticada. O próprio art. 3º do CTB deixa claro que suas disposições são aplicáveis a qualquer veículo, bem como aos proprietários, condutores dos veículos nacionais ou estrangeiros e às pessoas nele expressamente mencionadas.


No que diz respeito à responsabilidade pelo cometimento das infrações de trânsito, o art. 257 estabelece que as penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados no CTB. Considerando nosso contexto, abordaremos a responsabilidade do condutor e do proprietário, tendo em vista a maioria das infrações serem aplicadas a um dos dois ou a ambos.


Ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar. Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.


Acerca do pagamento da multa, esta será sempre de responsabilidade do proprietário do veículo, independentemente de quem a praticou, como se observa no § 3º do art. 282 do CTB. Inclusive, a Resolução nº 108/1999 do Conselho Nacional de Trânsito, que dispõe sobre a responsabilidade pelo pagamento de multas, determina que o proprietário do veículo será sempre responsável pelo pagamento da penalidade de multa, independente da infração cometida, até mesmo quando o condutor for indicado como condutor-infrator nos termos da lei, não devendo ser registrado ou licenciado o veículo sem que o seu proprietário efetue o pagamento do débito de multas, excetuando-se as infrações resultantes de excesso de peso que obedecem ao determinado no art. 257 do CTB.


Não sendo imediata a identificação do infrator, que é o caso das infrações sem abordagem, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá quinze dias de prazo, após a notificação da autuação, para apresentá-lo, nos termos da Resolução nº 918/2022 do CONTRAN, ao fim do qual, não o fazendo, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo.


Sendo o veículo de propriedade de pessoa jurídica, decorridos quinze dias a partir da notificação da autuação, não havendo identificação do infrator, será lavrada nova multa ao proprietário do veículo, mantida a originada pela infração, cujo valor é o da multa multiplicada pelo número de infrações iguais cometidas no período de doze meses. Esse procedimento está regulamentado pela Resolução nº 710/2017 do CONTRAN que regulamenta os procedimentos para a imposição da penalidade de multa à pessoa jurídica proprietária do veículo por não identificação do condutor infrator (multa NIC).


Quando se tratar de veículo de propriedade de um Centro de Formação de Condutores, aplicam-se as regras expostas até aqui, ou seja, o valor da multa será de responsabilidade do proprietário, que no caso será o próprio CFC, ressalvadas as hipóteses em que algum funcionário tenha praticado irregularidade alheia à atividade normalmente desenvolvida, como por exemplo, um estacionamento irregular no horário do almoço, avanço de sinal vermelho do semáforo, excesso de velocidade etc., de modo que a autoescola pode cobrar do funcionário o prejuízo sofrido com o pagamento da multa, conforme § 1º do art. 462 da CLT.


Com relação à pontuação que será atribuída pelo cometimento de uma eventual infração de trânsito, em que pese a presença do instrutor durante a realização de aulas práticas, não é possível que lhe seja atribuída essa responsabilidade específica, pois as infrações praticadas na direção do veículo são de responsabilidade do condutor (art. 257, § 3º), que nesse caso é o aluno. Inclusive, é possível que o CFC o indique como sendo o real infrator nas infrações sem abordagem. Na hipótese do veículo ter sido abordado, o aprendiz será identificado e autuado, só não terá pontuação registrada e isso não constitui óbice para conclusão do seu processo de habilitação, pois não há previsão legal nesse sentido. Se a infração for de responsabilidade do proprietário, não resta dúvida de que o CFC é que sofrerá as consequências.


Evidentemente que se espera do instrutor a devida orientação para que não haja nenhuma irregularidade durante as aulas de direção, tampouco a criação de riscos à segurança no trânsito, pois se trata de regra básica de circulação prevista no art. 26 do CTB, a de abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades públicas ou privadas, nem obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro obstáculo.


A depender das circunstâncias no caso concreto e inexistindo dolo ou culpa na conduta, o aluno candidato à primeira habilitação se exime de responsabilidade civil em razão de danos causados durante as aulas de direção, como no caso de colisão com outro veículo, o que não é raro acontecer. Nesses casos, cabe ao CFC arcar com o prejuízo (teoria do risco), como se depreende da leitura do parágrafo único do art. 927 do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.


Podemos citar ainda como referência normativa a esse tipo de situação o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.


Entretanto, é possível que o próprio instrutor seja responsabilizado posteriormente, considerando, em tese, que ele pode ter agido com “culpa in vigilando” ao não impedir que o aluno causasse o dano, podendo o CFC mover ação regressiva. Até mesmo o aluno causador do dano, em situações excepcionais, pode ver recair sobre si a responsabilidade pelo ocorrido.


Portanto, não se confunde a responsabilidade civil por eventuais danos causados durante as atividades, que depende da análise do caso concreto, com a responsabilidade administrativa em razão do cometimento de uma infração de trânsito, que possui todo um regramento estabelecido acerca do registro de pontos e do valor da multa a ser pago.


Existe ainda duas hipóteses de irregularidades praticadas nesse contexto. O parágrafo único do art. 155 do CTB determina que ao aprendiz será expedida autorização para aprendizagem, de acordo com a regulamentação do CONTRAN, após aprovação nos exames de aptidão física, mental, de primeiros socorros e sobre legislação de trânsito. Trata-se da LADV (Licença para Aprendizagem de Direção Veicular), prevista na Resolução nº 789/2020 do CONTRAN. Essa é uma situação excepcional que permite ao aluno, ainda inabilitado, conduzir o veículo do CFC acompanhado do instrutor durante as aulas práticas, nos termos do art. 158 do CTB.


No primeiro caso cabe autuação para o aprendiz que não possui LADV ou que esteja vencida, conduzindo veículo de aprendizagem, mesmo que acompanhado por instrutor. Também será autuado o aprendiz conduzindo veículo que não seja de aprendizagem, conforme art. 154 do CTB, mesmo possuindo LADV e acompanhado por instrutor. Em ambos os casos a infração é a do art. 162, I, do CTB por “Dirigir veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor”, que é de natureza gravíssima, multa de R$ 880,41 e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado.


A própria Resolução nº 789/2020 do CONTRAN, que consolidou as normas sobre o processo de formação de condutores de veículos automotores e elétricos, ainda estabelece no § 4º do art. 8º que o candidato que for encontrado conduzindo veículo em desacordo com suas disposições terá a LADV suspensa pelo prazo de seis meses.


Qualquer dos envolvidos, seja o CFC, o aluno ou o instrutor, pode ser responsabilizado por possíveis sinistros que venham a ocorrer durante as aulas de direção - observada a devida análise do caso concreto para se chegar ao verdadeiro responsável. Entretanto, atribuir ao instrutor a responsabilidade da infração praticada pelo aluno, pontuando em seu prontuário como se fosse ele o próprio o condutor, não é legalmente possível.


No máximo, o instrutor poderia responder administrativamente pela falha em seu ato de ofício, ao não conseguir evitar o cometimento da infração - algo que ainda pode ser justificado em uma hipótese onde não foi possível a adequada intervenção do instrutor, como por exemplo, o aluno avançou o sinal vermelho de forma inesperada. A Lei nº 12.302/10 que regulamenta a atividade profissional do instrutor traz em seus artigos 3º e 5º suas competências e deveres.


Por fim, todos os envolvidos no processo de formação devem estar atentos e conhecer as responsabilidades que lhe podem ser atribuídas em decorrência da inobservância da lei. Além disso, adotar uma postura respeitosa desde a formação contribuirá de maneira importantíssima para tornar o trânsito um espaço seguro para todos.


Caruaru-PE, 28 de outubro de 2020.


GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Especialista em Direito de Trânsito. Professor de Legislação de Trânsito. Diretor de Ensino da Educate. Professor em cursos de Pós-Graduação em Gestão e Direito de Trânsito. Membro da Comissão de Trânsito da OAB Caruaru-PE. Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito” (Ed. Juspodivm). Criador e colaborador do site Sala de Trânsito.

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